Um policial penal é acusado de cometer assédio sexual e perseguição por meio de ligações anônimas por, pelo menos, cinco advogadas. O agente será ouvido nesta quinta-feira (3) na Delegacia de Assuntos Internos (DEA), segundo informação ao Diário do Nordeste da advogada Raphaelle Farrapo que representa as vítimas.
De acordo com o relato das mulheres, o suspeito faria contatos frequentes por ligação telefônica falando ‘imoralidades’ e ainda detalhes sobre as roupas que elas usavam e até mesmo endereços, por exemplo.
O agente teria obtido os dados pessoais das advogadas de forma ilegal a partir do cadastro delas para acessar às unidades prisionais da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) por conta do ofício. Algumas delas precisam ir, praticamente, toda semana em presídio por conta da representação de clientes.
Uma das vítimas, que terá a identidade preservada, explica que os advogados criminalistas precisam atender nos presídios e, para o acesso, é necessário fazer esse cadastro. “Há cerca de um ano comecei a receber ligações anônimas. Quando eu atendia, a voz dizia diversas imoralidades do que ia fazer comigo, coisas bem pesadas, era uma voz de quem estava se masturbando”, relata.
“Eu desligava, esculhambava, mas quanto mais eu reagia e o tempo passava, mais ele ligava. Isso me causava sérios problemas, mas continuei seguindo minha vida normal. Até que, um dia, fui atender na unidade onde ele é lotado e, quando saí, começaram as ligações falando da roupa que eu tava, então percebi que seria alguém de lá”.
OBTENÇÃO DE PROVAS
Assim, a advogada buscou falar sobre a situação com colegas policiais e diretores da unidade e foi orientada a tentar obter informações para identificar o suspeito. Agindo por conta própria, ela solicitou ao suposto assediador que fizessem uma chamada de vídeo fingindo interesse nas investidas dele.
“Conversei com um policial e ele me orientou pra 'dar uma abertura’. Então, falei que precisava de descrição e pedi uma chamada de vídeo quando ele me ligou, consegui fazer uma captura de tela com o rosto dele e cheguei ao agressor”, detalha.
A vítima descobriu a identidade do agente penitenciário que está lotado atualmente na Casa de Privação Provisória de Liberdade Professor Clodoaldo Pinto (CPPL 2), em Itaitinga, na Região Metropolitana de Fortaleza.
Com as informações em mãos, nesta semana, ela foi às autoridades policiais para registrar formalmente a denúncia. “Eu temo pela minha segurança, porque ele tem acesso a armas, sabe onde eu moro, todos os meus dados. Já recebi ligações de alguns diretores das unidades prisionais dizendo que estão comigo, mas não recebi nada ainda para a minha segurança ou as medidas que vão adotar”.
Conforme a vítima, o suspeito manteve tentando contato mesmo na hora em que ela prestava o depoimento na DAI, ao ponto de a delegada ter de atender as ligações.
PELO MENOS 5 VÍTIMAS
Após o caso repercutir internamente, outras mulheres também relatam sofrer o mesmo tipo de assédio e perseguição. A advogada criminalista Jéssica Rodrigues conta que, desde dezembro de 2020, recebe ligações de um número confidencial, especialmente depois de sair da CPPL 2.
“Eu achava que era um trote, ele perguntava se eu queria sair com ele. Eu questionei como conseguiu meu número e quem era, mas não respondia. Ele disse que tava disposto a pagar o que eu quisesse pra sair com ele, que me dava R$ 2 mil, e eu respondi: ‘não sou garota de programa, sou advogada’.”
JÉSSICA RODRIGUES
advogada
Porém, a frequência das ligações aumentou chegando a ser diária. “Ele falava coisas do mais baixo calão, não me sinto nem confortável pra reproduzir, falando de partes do meu corpo, das roupas que eu usava, de posições sexuais. Começou a ficar tão recorrente, que ele me ligava até sábado à noite”, detalha.
Em alguns momentos, Jéssica chegou a pedir ao namorado que atendesse ao telefone, mas nada o intimidava.
“Chegou num determinado extremo da situação, que num sábado, eu tava na casa da minha mãe, ele ligou e disse: que horas eu posso estar no endereço tal? Que era a casa da minha mãe. Foi ali que fiquei mais preocupada. Eu até duvidei de que a situação fosse assédio, que em algum momento eu dei abertura, mas descobri que não acontecia só comigo”, diz.
Amanhã, Jéssica prestará depoimento na Delegacia para formalizar a denúncia. “Ainda tô criando estômago pra falar sobre isso, mas não quero ver ninguém com medo de fazer coisas básicas, como trabalhar. Não vou engolir isso, vou botar pra fora sim”.
CASO É INVESTIGADO
Procurada pela reportagem, a Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD) informou que o caso de suposto assédio sexual está sendo investigado pela Delegacia de Assuntos Internos (DAI).
“Diligências estão em andamento para apuração dos fatos. O caso segue em sigilo pela natureza dos fatos e a intimidade da vítima. Informações poderão ser repassadas à imprensa ao final da investigação. A Controladoria determinou, ainda, a instauração de procedimento administrativo disciplinar”.
A advogada que representa as vítimas, Raphaelle, conta ainda que solicitou à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e à Delegacia que os agentes penais não tenham mais acesso aos cadastros pessoais dos profissionais.
“Esses dados devem ser restritos aos diretores das unidades prisionais para evitar que casos como esses aconteçam. A gente vai requerer todas as medidas cabíveis ao assédio e perseguição, porque a segurança dessas mulheres está em risco”.
A OAB, por sua vez, informou que está acompanhando o caso. "Importante destacar que compete à Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) zelar pelos dados relativos aos advogados que militam nas Unidades penitenciárias já que todos fazem um cadastro no sistema que é manuseado pela SAP".
"Assim, portanto, a OAB-CE frisa a recorrente violação das prerrogativas dos advogados por parte da Secretaria e destaca que não admitirá qualquer espécie de discriminação e preconceitos contra advogadas e advogados", acrescenta em nota.
A OAB diz ainda que espera que o servidor penal seja punido de forma exemplar e que vai solicitar de imediato o afastamento cautelar do agente de suas funções.
Em nota, a SAP não comentou o caso e informou que se houver haja alguma denúncia do tipo envolvendo agentes do sistema prisional ela será encaminhada à CGD, "para que sejam apuradas e assim tomadas as devidas providências".
BLOG SINHÁ SABOIA/ DN
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