Autores do crime, ocorrido em Maranguape, não foram responsabilizados, segundo informações do TJCE. Pistoleiro ficou famoso no Ceará e no Brasil na década de 1980, com os assassinatos de prefeitos e de outros inimigos
Foto: Kiko Silva
Um crime cometido há dez anos que segue sem solução. E este não é um crime qualquer. Trata-se do assassinato de um homem que estava acostumado a estar do outro lado da cena, como assassino, segundo a Polícia. A morte de Idelfonso Maia Cunha, o ‘Mainha’, pistoleiro cearense famoso no Estado e no Brasil na década de 1980, caiu no esquecimento para as autoridades e ainda não resultou na responsabilização dos autores do crime.
A Polícia Civil do Ceará (PCCE) informou, em nota, que “o inquérito policial que investigava a morte de Idelfonso Maia da Cunha (55), ocorrida em 4 de janeiro de 2011, foi concluído e enviado ao Poder Judiciário no ano de 2013”. Questionada se algum suspeito foi indiciado, a Instituição não respondeu.
Procurado desde a última sexta-feira (8), o Ministério Público do Ceará (MPCE) alegou que os promotores de Justiça da Vara de Maranguape – onde aconteceu o crime – não localizaram o inquérito e, por isso, não podiam fornecer informações sobre o caso.
Já o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), através da assessoria de imprensa, afirma que, em dez anos, ainda não recebeu a denúncia do caso e, por isso, não foi gerado um processo criminal.
O sociólogo do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), da Universidade Federal do Ceará (UFC) e escritor do livro “Crimes por Encomenda”, César Barreira, afirma que não fica surpreso por a morte de ‘Mainha’ não ter sido solucionada. “Continuamos (a sociedade) com a máxima de que ‘bandido bom é bandido morto’. Primeiro, que a elucidação desses crimes é muito baixa no Brasil. Segundo, esses crimes são elucidados quando têm uma forte participação da família. Não deve ter havido”. Confira entrevista do sociólogo sobre a personalidade e a fama de ‘Mainha’ na próxima página.
Crime
Idelfonso Maia foi surpreendido por dois criminosos, no bairro Novo Maranguape, em Maranguape, Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), no dia 4 de janeiro de 2011, por volta de 12h. Ele cavalgava desarmado em um burro, quando os assassinos chegaram em um automóvel de cor preta e efetuaram vários disparos contra o homem de 55 anos, que morreu no local. O perito criminal que atendeu a ocorrência detalhou que o corpo de ‘Mainha’ tinha nove perfurações, sendo uma na cabeça e o restante no braço direito, no peito e no abdômen. Enquanto o burro foi atingido por três disparos.
Os levantamentos iniciais da Polícia Civil apontavam para um crime encomendado. Diversos rivais de ‘Mainha’ teriam se reunido em um “consórcio” para juntar dinheiro e pagar um “matador de aluguel”.
José Delano Diógenes, o ‘Delaninho’, figurou como um dos suspeitos de cometer o homicídio, até ser preso por outro crime de morte ocorrido no Ceará, em um shopping em Mossoró, no Rio Grande do Norte, em junho de 2014. Outro suspeito, o pistoleiro Manoel Carneiro Neto, conhecido como ‘Manoel Preto’, chegou a prestar depoimento à Polícia Civil, em 2013, sobre o homicídio em Maranguape, mas negou a autoria – apesar de reconhecer que queria, sim, matar ‘Mainha’ e seria pago para isso, mas não teve a oportunidade. Poucos meses depois, ele foi assassinado em um parque de vaquejada em Tabuleiro do Norte.
‘Rosário’ de mortes
'Mainha' é apontado como autor de um “rosário” de mortes no Ceará. Autoridades falavam à época em até 40 homicídios. O pistoleiro começou a ficar conhecido e ser procurado pela Polícia após o assassinato do então prefeito de Alto Santo, Expedito Leite, em Fortaleza, em 1977.
Outro homicídio contra um prefeito também é atribuído a ‘Mainha’. O ex-gestor de Pereiro, João Terceiro de Sousa, foi morto em uma chacina, junto da esposa Raimunda Nilda, do soldado da Polícia Militar do Ceará (PMCE) João Odeon e do motorista Francisco Maurício de Souza, em Alto Santo, na BR-116, em 1983.
O pistoleiro foi preso apenas em 1988, no Município de Quiterianópolis, após várias incursões de delegados da Polícia Civil ao Interior. Ele foi condenado a mais de 80 anos de prisão, mas ficou preso por apenas 11 anos.
“Ele se colocava como um justiceiro”
Quem foi ‘Mainha’?
César Barreira - O ‘Mainha’ era um personagem muito interessante no mundo do crime, porque era uma pessoa acima da média em termo de entendimento dos problemas sociais. Primeiro, ele não se colocava como pistoleiro ou “matador de aluguel”. Ele se colocava como vingador, justiceiro. Ele tinha a necessidade de uma “assepsia social”, que a Justiça não fazia. Ele falava que os crimes dele tinham sido feitos no interior do campo da honra. Uma pessoa que chamou ele de “ladrão de cavalo”, ele matou. Outra pessoa que tentou estuprar a irmã dele, ele matou. Uma pessoa que tentou matar o pai dele, ele também matou. Pistoleiros que tinham sido contratados para matá-lo, ele se defendeu e matou.
Por que o ‘Mainha’ se tornou um pistoleiro famoso no Ceará e no Brasil?
CB - Primeiro, que ele realmente começou a cometer crimes... de uma família de políticos, prefeito de Alto Santo, a mulher, o motorista, um soldado. Essas mortes deram muita visibilidade a ele. Tem essa marca da dimensão intelectual acima da média, falava bem. O fato de pertencer a uma família importante.
A forma como ele foi morto lhe surpreendeu?
CB - É surpreendente a maneira dele andar desarmado, segundo consta. Por outro lado, não é uma surpresa (a morte). Essas pessoas que fazem essa opção de trabalhar como “matadores de aluguel” carregam ao longo da sua vida muitos inimigos. Ele sofreu vários atentados, ligados a fatos que ele executou, mas também dos mandantes dele... Ele era um “arquivo vivo”, tinha muitas informações.
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