terça-feira, 2 de julho de 2019

MORADORA ENTRA EM APARTAMENTO E REGISTRA MÓVEIS INTACTOS APÓS DEMOLIÇÃO DE PRÉDIO

Depois de presenciar pessoas ligadas aos proprietários tirando “selfies” nos escombros e de ver descumprido acordo deles com moradores, Joice furou a interdição em busca de objetos de valor imaterial

Foto tirada por Joice após demolição de parte do prédio onde morava - o apartamento dela ainda estava intactoFoto: Joice Elias

“Não tenho como tirar segunda via das fotos do parto da minha filha, do livro que escrevi pra ela, das cartas minhas e do meu marido. E não tem dinheiro que pague nada disso. Eles alimentaram a esperança na gente, disseram em todos os momentos que iriam retirar nossas coisas e devolver. Isso não foi feito.” O desabafo é de Joice Elias, 31, moradora do 2º andar do edifício Benedito Cunha, no bairro Maraponga, que desabou parcialmente em 1º de junho e começou a ser demolido na última sexta-feira (28).
Em ato de “raiva e desespero”, Joice chegou a escalar a montanha de entulho e entrar no apartamento, um dos últimos a serem atingidos pela retroescavadeira utilizada na demolição. Antes de ser retirada pelos policiais, a imagem que presenciou no que era a cozinha de casa potencializou a revolta que já sentia desde que viu “o sogro do dono tirar uma selfie fazendo ‘legal’ com a mão, com o prédio acabado atrás”.
Corri pra cima da montanha de entulho. Não sei se hoje faria a mesma coisa, mas foi a raiva. Quando cheguei até meu apartamento, tudo intacto. Dava pra tentar resgatar alguma coisa. Dava pra ter recuperado.”
Na foto que ela tirou, reconhecendo, entre lágrimas, ser “o último registro do lar”, é possível ver geladeira, micro-ondas, gelágua, utensílios domésticos, potes de mantimentos e até roupas no varal: tudo intacto. “Desde o ocorrido, a gente respeitou a interdição, mas buscou legalmente reaver não mais móveis, carro, nada. Nossa busca era as nossas memórias. Disseram que teria um contêiner e duas equipes de coleta para resgatar o máximo de coisas possíveis, colocar lá e depois vermos o que era de cada um. Todo mundo ficou nessa expectativa, mas a retroescavadeira foi só batendo na parede e derrubando tudo. Você via televisão caindo, tudo. Foi um desespero e um desrespeito”, desabafa.
Memórias
Desde o desabamento, Joice está morando na casa da sogra junto com o marido e a filha, sem previsão de quando conseguirá reconstruir a vida dos três. “Estamos contando com apoio dos amigos e familiares pra fazer chá de casa nova, receber doações de roupas. A gente não sabe nem por onde começar”, confessa a moradora, uma das primeiras inquilinas que o edifício Benedito Cunha recebeu.
“Minha filha tinha oito meses quando chegamos, construímos toda a nossa história lá. Minha filha cresceu lá, as memórias dela estão lá. Tudo ficou. Eu escrevi um livro contando a história da nossa família, contando desde quando eu e meu esposo nos conhecemos, com fotos, gravuras, desenhos, bem interativo. Foi o presente que demos pra ela de formatura do ABC, e todo dia ela diz que sente falta. São coisas simples diante da vida que ficou, mas, ao mesmo tempo, isso machuca demais”.
Há prejuízos ainda mais incalculáveis diante de toda a tragédia, que aparecem nas noites mal dormidas e nos pesadelos constantes. Joice e a filha começarão, em breve, tratamento psicológico.
Silêncio
A resposta dos proprietários do prédio a Joice é o silêncio. À imprensa, o tratamento é o mesmo: nossas ligações para obter posicionamentos não foram atendidas pelo advogado. “Desde o começo, eles nunca vieram até nós. É sempre a gente indo atrás, e meu número não atendem mais. Pra se ter uma ideia, ficamos sabendo da demolição porque tem morador que fica lá na imobiliária direto. O acordo era resgatar nossas coisas, e descumpriram”, relata Joice.
A opção, então, para ela e a família, é recomeçar. “Meu marido não estava em casa, então ficou pelo menos com a carteira de habilitação, que estava com ele. Eu perdi tudo. Já tirei a certidão, em Crateús, minha cidade. Literalmente nasci de novo.”
 
BLOG SINHÁ SABOIA/ FONTE: DN

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