Um esquema criminoso que fraudou empréstimos consignados causou um prejuízo de, pelo menos, R$ 106 milhões a servidores públicos do Ceará, segundo investigação da Polícia Federal (PF). A Operação Onzenário, deflagrada ontem, visava a recuperar esse valor, com o bloqueio e o sequestro de bens. Quatro suspeitos foram presos temporariamente, inclusive o ex-genro do ex-secretário da Casa Civil do Estado.
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"O objetivo da ação é colher elementos para elucidar por completo um esquema criminoso que operou no Ceará de 2008 a 2014, consistente no gerenciamento da folha de pagamento dos servidores do Governo do Ceará, da margem de empréstimos consignados", informa o superintendente da Polícia Federal no Ceará, Dennis Cali.
O delegado regional de Combate ao Crime Organizado da PF, Alan Robson Alexandrino, completa que "o grande prejuízo era aos servidores públicos do Ceará. Eles pagavam juros mais altos, em razão desse esquema fraudulento, para enriquecimento ilícito de servidores públicos, empresários e gestores de banco".
Para intermediar os empréstimos consignados entre bancos e servidores, uma empresa precisou vencer a licitação de 2008, mas "não houve uma escolha de qual empresa financeira era mais barata", revela Alexandrino. "O mercado é que dita os juros. É uma concorrência. Nós temos nas ruas vários bancos ditando juros. Nesse caso, houve um direcionamento, uma fraude. E detalhe: dias antes e dias depois da licitação há transações bancárias entre as três concorrentes. O que reforça a suspeita de que houve um conluio. Um acordo que envolvia dinheiro e corrupção".
Lavagem
Os empréstimos consignados teriam movimentado R$ 600 milhões, em seis anos. Sendo que ao menos R$ 106 milhões foram cobrados indevidamente e desviados, conforme a Polícia Federal. A investigação chegou à conclusão que para fazer a lavagem de dinheiro os suspeitos faziam remessas ao exterior e adquiriam bens móveis, imóveis e também ativos de empresas.
O bloqueio de contas bancárias e o sequestro de veículos de luxo, obras de arte, relógios e dinheiro dos investigados, a partir de determinação da Justiça Federal, têm o objetivo de reaver esse valor, conforme os investigadores.
Alvos
O ex-secretário da Casa Civil do Ceará, na gestão Cid Gomes (2008-2014), é Arialdo Pinho, atual secretário de Turismo do Governo. Pelo menos um mandado de busca e apreensão foi cumprido na residência de Arialdo, que também foi intimado a prestar depoimento sobre os fatos investigados, na sede da Superintendência da PF em Fortaleza, no Bairro de Fátima, na manhã de ontem.
A defesa do secretário alegou que ainda não tinha acesso ao Inquérito Policial. "O depoimento ficou bastante prejudicado, e o nosso trabalho, também. Porque não há mais informações. Aguardamos autorização para o acesso. Há um desejo de esclarecer imediatamente, mas sem ter acesso aos autos da investigação fica impossível", informou o advogado Ernando Sobrinho. Questionado através da assessoria de comunicação, o ex-governador e atual senador Cid Gomes não se manifestou.
O ex-genro de Arialdo é Luis Antônio Ribeiro Valadares de Sousa, preso temporariamente na Operação. Segundo a PF, ele é o proprietário da empresa que se beneficiou da fraude. Chamou a atenção dos investigadores que o patrimônio do empresário a descoberto (isto é, sem lastro em atividades lícitas) saltou de R$ 2 milhões para R$ 49 milhões, em 2009. A defesa de Luis Antônio não foi localizada.
Também foram presos temporariamente outro empresário, um ex-gestor de instituição financeira (banco) e um contador - que não tiveram os nomes divulgados. As prisões têm validade de cinco dias, mas podem ser prorrogadas. Duas detenções se deram em Fortaleza e as outras duas em São Paulo. A PF ainda cumpriu 26 mandados de busca e apreensão, em Fortaleza, Eusébio, Beberibe e Trairi (Ceará); Salvador (Bahia); e São Paulo (Capital).
"Neste primeiro momento, as pessoas que sofreram a medida mais drástica, de prisão temporária, são pessoas que diretamente participaram do esquema, da montagem de toda engrenagem para fraudar a licitação e obter os recursos. As pessoas que sofreram busca e apreensão participaram do esquema e, de uma forma ou outra, se beneficiaram também", explica o superintendente da PF no Ceará.
A Operação apura os crimes de associação criminosa, corrupção, fraude em licitação, crimes contra o sistema financeiro nacional e lavagem de dinheiro. O nome, 'Onzenário', remete à prática de agiotagem ou cobrança extorsiva de juros.
'Laranjas'
Outro alvo da Operação foi um vendedor de água do Município de Catunda, que estava desempregado à época da investigação, mas recebeu R$ 350 mil na conta bancária. A movimentação suspeita faz a Polícia Federal (PF) acreditar que ele foi um 'laranja' utilizado pelo suposto esquema.
O 'laranja' também prestou depoimento à PF, ontem. "Ele está sendo ouvido para esclarecer o que justifica o trânsito desse valor ilícito que a operação está apontando. Oriundo de uma fraude, um empréstimo consignado fraudulento, oriundo de juros ilícitos", afirma o delegado Alan Robson Alexandrino.
Segundo Alexandrino, outros 'laranjas' também participavam do esquema criminoso e já foram ouvidos no curso da investigação. "Há pessoas fictícias, que não existem de fato, mas têm o documento criado", aponta, sobre a prática de falsidade ideológica, cometida por outros 'laranjas'.
Denúncia
O "Esquema dos Consignados" foi denunciado pelo deputado estadual Heitor Férrer, na Assembleia Legislativa do Ceará, em setembro de 2011. "O Governo criou um sistema milionário para favorecer seus aliados. Montou-se uma engenharia onde colaboradores do núcleo do Governo praticam tráfico de influencia", disse à época na tribuna da Assembleia o parlamentar.
Conforme Férrer, um decreto do Governo estabeleceu novas regras para as consignações, permitindo aos servidores solicitarem empréstimos apenas em dois bancos e com o gerenciamento de uma outra empresa, que seria a vencedora da licitação de 2008, que por sua vez sublocou o contrato à empresa de propriedade do então genro do secretário da Casa Civil.
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